Livro: Em A Era do Vazio. Ensaios sobre o Individualismo Contemporâneo,
Autor: Gilles Lipovetsky
Capítulo 1 – Sedução Non-Stop
01 - A individualidade como mercadoria
A Era Moderna foi caracterizada pela ascensão e consolidação da burguesia como classe dominante. Imbuída de um discurso de emancipação individual realizadora do tempo presente (realização pessoal terrena) frente a coletividade idealizadora de um tempo eterno (realização coletiva na vida eterna) a vanguarda revolucionaria imprimiu um novo ritmo social. O indivíduo agora liberto de seu cativeiro coletivo poderia realizar-se onde bem pretendia: nas artes, no comércio, nos esportes, na literatura, na emancipação feminina, na política democrática etc.
No entanto, na esteira desta revolução de percepção individual uma outra classe também adquiriu essa mesma cosmovisão emancipacionista e revolucionária: o proletariado. É neste momento em que os ideários da revolução burguesa passam a rever não somente o ritmo da revolução emancipadora, mas também a direção desta. Se em um primeiro momento a revolução apontava para uma realização pessoal através do “o ser” (o sujeito da história, o homem self made man, ser ou não ser eis a questão), as reivindicações revolucionárias do proletariado (posse coletiva, ditadura do proletariado, dissolução do aparato de estado etc) levaram a burguesia a direcionar a revolução do indivíduo para um novo horizonte: “o ter”. Essa mudança não foi “ocasional” ou “repentina”, mas foi um movimento que se fez “pari passo” com a própria Revolução Industrial e com a ascensão da “mercadoria” como principal fonte de realização individual. Quando mais a indústria avança na diversificação e oferta de novos “produtos individualizados” (sob demanda, personalizados) mais o senso coletivo desaparece e mais tendemos a nos sentir “realizados” (o ser e o ter se materializam no produto adquirido). Segundo Lipovetisky esse é o processo pelo qual a burguesia direciona a “individualidade moderna” para uma “individualidade pós-moderna” que se realiza não no “o ser”, mas sim “no ter”. O “ter” substitui o “ser” porque literalmente pode ser “construído” a imagem e semelhança daquele que consome;
Com o reino dos media, dos objetos e do sexo, cada indivíduo se observa, se testa, se vira mais para si próprio à espreita da sua própria verdade e do seu bem-estar, tornando-se responsável pela sua vida, de vendo gerir o melhor possível o seu capital estóico, afetivo, físico, libidinal, etc. Aqui, socialização e dessocialização identificam-se; no centro do deserto social ergue-se o indivíduo soberano, informado, livre, prudente administrador da sua vida: ao volante, cada um aperta o seu próprio cinto de segurança. Fase pós-moderna da socialização, o processo de personalização é um novo tipo de controle social desembaraçado dos processos pesados de massificação-reificação-repressão (pg. 10)
O processo de “personalização” em termos de consumo se estende a outras áreas também tal como a política por exemplo onde os “candidatos” a cargos públicos fazem campanhas não mais sobre “projetos de Estado” ou “ideologias coletivas”, mas sim com base “em sua pessoa” (o candidato destaca mais suas qualidades pessoais e realizações do que propriamente sua plataforma de governo ou ideologia). A primeira experiencia coletiva destas foi justamente com John F Kennedy que era “bonitão” em relação ao seu opositor “Nixon” que não era simpático (para não dizer feio). E desta feita em diante (a televisão obviamente tem um papel importante neste processo em se lembrando que essa disputa entre Kennedy e Nixon foi a primeira a ser televisionada e seus resultados mostraram ao mundo o poder da “personalização” frente ao “debate político”) muitos atores hollywoodianos tomaram os lugares de políticos profissionais.
Gradativamente o “ser” (seus ideais, suas falas, suas propostas, sua visão de mundo e realizações) vai sendo substituído pelo “ter” (sua aparência de revolucionário, seus discursos motivadores, suas propostas idealizadoras, seus apontamentos). O processo de personalização se expande dos grandes ícones de beleza e sedução hollydianos para o cidadão comum na medida em que essa personalização passa a ser “vendida” como tratamentos corporais, plásticas, academias de musculação, lipoaspiração e todo tipo de tratamento estético que o possibilitar de “ser” como “aquele artista” (na realidade é como ter o que aquele artista tem porque são comente acessórios estéticos que nada tem a ver com o “ser” da pessoa). O corpo passa a ser o principal objeto de personalização individual “Assim se produz um sujeito já não através da disciplina, mas da personalização do corpo sob a égide do sexo. O seu corpo é você, o corpo deve ser cuidado, amado, exibido; já nada tem a ver com a máquina. A sedução alarga o ser-sujeito atribuindo ao corpo outrora oculto uma dignidade e uma integridade novas: nudismo, seios nus, são os sintomas espetaculares desta mutação através da qual o corpo se torna pessoa a respeitar” (pg 13)
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